quinta-feira, 16 de agosto de 2012


O CARISMA FRANCISCANO



1. Inspiração e sistema-eixo: restaurar a Igreja vivendo segundo a forma do santo Evangelho

Carisma:força divina conferida a uma pessoa, mas em vista da necessidade ou utilidade da comunidade religiosa. Qualidades especiais ou conjunto destas” (Dic.).

Francisco foi um homem carismático, original e inspirado. Suas concepções, idéias e planos, são intuições repentinas nascidas em momentos fortes de busca, de escuta da voz de Deus. Deus lhe fala em sonhos, nas situações existenciais, no crucificado em São Damião e principalmente através da mensagem evangélica.

A partir daí, Francisco alimenta a convicção profunda de que o Senhor lhe chamou: “O Senhor me revelou....”; “o Senhor me deu...”(Test. 14). E mesmo sentindo segurança com tais experiências, ele leva anos para tomar consciência clara dos desígnios de Deus sobre ele e da missão que lhe era confiada. Foi longo processo de maturação evolutiva.

Em 1205 Francisco prepara-se para ser armado cavaleiro, sua maior ambição. Vê em seu sonho um magnífico castelo cheio de armas e uma noiva belíssima. Tudo seria seu e de seus companheiros. Fica exultante. Toma o sonho como presságio de êxito (1Cel 6). Mas outra noite enquanto dormia na cidade de Espoleto, uma voz lhe pergunta: “quem poderia oferecer-te mais vantagens, o servo ou o Senhor?” Francisco responde: “o senhor!” E a voz: “por que então procuras o servo em vez do Senhor?” E Francisco: “Senhor, que queres que eu faça?” E a voz: “regressa para a terra de teu nascimento ..., porque lá a visão que tiveste realizar-se-á numa dimensão espiritual” (2Cel 6). Francisco volta para Assis, se retira a lugares solitários,... reza, medita: “Senhor que queres que eu faça?” um dia na igrejinha de S. Damião, o Cristo do crucifixo lhe fala: “Francisco, vai e restaura a minha casa que, como vês, está em ruínas” (2Cel 10). Francisco de repente pensa: “Ah! É isto que Deus quer de mim!” E restaura igrejas abandonada. Depois pensa e medita: “que igreja Cristo quer que eu restaure?” Descobre que é preciso restaurar a Igreja povo, Sociedade. Mas como fazer isso? Como concretizar o projeto de vida há tempo existia em seu coração?

            A resposta veio após a escuta da Palavra de Deus no Evangelho proclamado na Igreja (Mt 10; Mc 6; Lc 9 e 10). Foi aí que se deu o estalo e seu coração se sensibilizou a mudar de vida: “É isto que eu quero, é isto que eu procuro, é isto que eu ambiciono de todo o coração” (1Cel 22). A idéia, a intuição, a inspiração que tem naquele instante dar um rumo decisivo à vida de Francisco. Tudo o resto gira em torno disso. É a partir disso que sempre se parte para descobrir a inspiração primigênia, o sistema-eixo da vida, do carisma e da espiritualidade de Francisco, sua missão e seu movimento na Igreja, o caminho, os agentes e os marcos normativos.

Mas, interpretações diversas acerca do carisma já surgiram contemporaneamente ao fundador. A tendência pauperística: “viver na pobreza, sem ouro, nem prata e nem cobre”. A clericalista:“assumir a missão dos apóstolos, ser clérigo, tonsura, privilégios.”

Francisco não queria apenas viver a pobreza, nem ocupar cargos nem lugares privilegiados, não queria ter poder nas mãos, não queria sentar à direita ou à esquerda de Cristo. Ele sentia que viver segundo a forma do santo Evangelho era ocupar o último lugar, pôr-se a serviço de todos, ser menor e fraterno como Cristo que veio para servir é não para ser servido. Era renunciar a si mesmo e não ser armado cavaleiro, era renunciar a seus sonhos de grandeza e não passar para a classe dos nobres, era tomar a sua cruz e seguir Jesus. Era promover a paz no meio dos conflitos humanos, religiosos e sociais. Era vender tudo, não ser comerciante ou dono de feudos, dar aos pobres e seguir Jesus. Não era fugir aos leprosos e doentes, era curar-los, ressuscitar os mortos, purificar os leprosos (Mt 10,8). Aproximar-se, aceitar-los e cuidar deles. Enfim, era mudar de lugar social e sentir-se bem entre os pequenos, pobres e doentes, leprosos; era ser menor, solidário e fraterno (Test 2).

E a razão profunda que levou Francisco a isso, era o convite de Cristo no Evangelho e na oração/meditação: “Francisco, vai e restaura a minha casa que, como vês, está em ruínas” (2Cel 10). Então, viver segundo a forma do santo Evangelho foi a maneira que Cristo inspirou a Francisco para viver sua vocação: restaurar a Igreja e transformar a Sociedade... “E tornar a sociedade uma grande família de irmãos” (Crocoli, p.87). Esta “é a inspiração primigênia e central do Carisma franciscano” (Fr. Jaime, p. 07). Assim, o núcleo central de nosso carisma é um modo de ser, de viver, capaz de transformar e restaurar as relações em vista da solidariedade e fraternidade, em vista de uma paz verdadeira fundada no amor. É a missão da paz conforme seus biógrafos (Crocoli, pp. 87-88). Esta missão leva Francisco a ultrapassar as fronteiras da Igreja, do Cristianismo, e as fronteiras do humano, e chegar à dimensão cósmica.

Só que esse modo pacífico de ser, precisa necessariamente passar pela mediação da fé, da conversão profunda, concretizando-se num projeto de vida descentrado de si mesmo e impregnado pela dinâmica do amor que vai até os mais ínfimos espaços para restaurar o homem, e preservar toda forma de vida (Crocoli, p.73-79).



2. O caminho para viver segundo a forma do santo Evangelho e transformar a sociedade é a Minoridade

No carisma franciscano a Minoridade é um dos componentes básicos. Compreende: pobreza e mudança de lugar social, desapropriação absoluta, atitude de peregrinos e forasteiros, espírito de serviço e trabalho.

2.1- Pobreza e mudança de lugar social

Francisco não define a pobreza, “quis ser pobre por que o Senhor se fez pobre por nós neste mundo” (RB VII). Pobreza para ele não era ascese. E sim mudança de lugar social, era conseqüência do amor a Cristo pobre. Exemplo disso é: “O Verbo do Pai que quis com a Virgem Maria escolher a pobreza”(2Fi). Francisco assume a pobreza-kenosis de Cristo: “esvaziamento dos esplendores divinos para colocar-se disponível nas mãos do Pai a serviço do ser humano”(Fil 2,6-8).

Segundo Frei A. Fragoso, OFM, os biógrafos não conseguem chegar a um acordo sobre qual terá sido o amor maior de Francisco: “se o Cristo feito pobre na cruz, ou se o pobre feito Cristo na terra” (Rev. Fcana. vol. I, n. 1e2, 2001, p. 46).

2.2- desapropriação absoluta

A fé revela a Francisco que Deus é o Sumo Bem. Daí todos os bens pertencer a Ele. “Não nos pertence senão os nossos vícios e pecados”(RB VI). Para Francisco, a desapropriação externa é condição para a desapropriação interna e para a total disponibilidade para servir. O verdadeiro pobre se fia em Deus (Adm XIV). É uma desapropriação não em sentido jurídico, mas em sentido evangélico, comunitária (RBVI). Deve-se considerar sempre “servo inúltil”(Lc17,10). Pois os inimigos principais da pobreza e da união fraterna são o egoísmo e o individualismo. Estes criam distâncias entre as pessoas.

2.3- Atitudes de peregrinos, itinerantes

Quem tem a segurança nas mãos do Pai celestial, quer como Cristo, ser pobre, desinstalado, não ter onde repousar a cabeça (Mt 8,20), quer sempre estar totalmente disponível para o Reino de Deus. Daí Francisco não querer instalação, mas “viver numa atitude de peregrino e forasteiro neste mundo, servindo a Deus na pobreza e humildade (RB VI), à maneira dos apóstolos enviados dois a dois” (1Cel 29).

Com isso, Francisco rompe os muros das clausuras e funda uma nova vida religiosa, popular e apostólica, em seu tempo, no meio do povo (Baldomero, I, p. 757). Daí a característica do Frade Menor ser: viver desinstalado neste mundo a exemplo da Igreja peregrina, e sendo sinal escatológico da vida que há de vir.

Foram as exigências dos tempos para a formação dos candidatos à Ordem que obrigaram os franciscanos a terem moradias estáveis. Mas continua o apelo a não assumirem compromissos contra a itinerânça.

2.4- Espírito de serviço e minoridade

Não ostentar da própria pobreza e desistalação, “mas preferir cada um julgar e desprezar a si mesmo” (RB II). Para Francisco, ser menor era achar-se com gosto entre pessoas humildes, pobres, doentes, e abandonadas; era mudar de lugar social; era amar, ter estima e admiração para imitar Cristo servo (Mt 20,28). Isso exige renúncia do “eu” após ter renunciado o “meu”.

A pobreza-minoridade é a disposição face ao Altíssimo: “Quem sois Vós e quem sou eu?” A verdadeira humildade é situar-se na verdade, que somos frágeis, mas valorizar as potencialidades e colocar-se a serviço na alegria perfeita.

2.5- Espírito de trabalho

Na tradição monástica, o valor atribuído ao trabalho era ascético: “evitar o ócio e vencer as tentações” (RB V). Francisco tem um concepção mais evangélica e mais moderna, vendo o trabalho em função da fraternidade e da minoridade. O trabalho para ele é uma graça (RB V; Test. 20-21), é algo próprio dos servos e de quem exerce uma profissão para o sustento humano (contanto que seja trabalho honesto/RnB VII), levando em conta os dons recebidos de Deus. Então o trabalho é o meio normal de subsistência do frade menor e do homem. “Não socorrer aos necessitados é um furto”. Deve-se ter uma disponibilidade minoritica de “diaconia” a serviço da família humana. Renunciar a uma justa remuneração é anti-social o trabalho deve ser uma prática de solidariedade humana na busca dos valores espirituais do Reino dos céus (RBV).

3. A Fraternidade: a gente de transformação social

Este é um dos elementos mais significativos do carisma franciscano. “Antes de descobrir a fraternidade, Francisco descobriu o irmão. No irmão-homem revelou-se Cristo-irmão. E através de Cristo e seu Evangelho Francisco foi absorvendo o sentido pleno da paternidade Universal de Deus e família dos filhos de Deus, que irmanam os batizados, os homens todos e a criação inteira” (Fr. Jaime, p.16; Mt, 6,9; 23, 8 -9). A fraternidade franciscana é a que une os homens no amor do mesmo Pai e em beneficio da mesma salvação integrada pelo Espírito Santo.

A comunidade beneditina com seu “Ora et Labora” tinha sua regra, a agostiniana e premonstratense, tinham as suas regras: a vida comum com unidade externa e interna dirigida com um superior, pai. Na fraternidade franciscana a única que os frades tem para pôr em comum é o amor fraterno, o única força de coesão e segurança de vida, na confiança na Providência divina. Aqui os atos em comum (oração, refeição) são momentos fortes de encontros e de convivência fraterna. É uma fraternidade sem superior nem pai, feita só de irmãos que cuidam uns dos outros. Daí seu carisma ser itinerante e missionário, que reúnem em fraternidade para viver a forma do santo Evangelho no mundo pregando a paz, numa comunhão intima independente da distância  geográfica,  e aberta para todos os homens e mulheres e criaturas do universo. “Pois Francisco percebia com agudeza as coisas ocultas do coração das criaturas” (ICel 81).

4. Os marcos normativos do movimento franciscano
Modelo concreto: Deus, o Sumo Bem e Cristo; o Espírito Santo e sua santa operação; submissão a Igreja Romana e a liberdade filhos de Deus.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Conhecendo o que se entende por Vocação

Vocação à Vida
O dom mais excelente que recebemos de Deus é a vida. São Paulo diz que o Senhor nos amou “antes de ter feito este mundo”. “Bendito seja Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que do alto do céu nos abençoou com toda bênção espiritual em Cristo, e nos escolheu nele antes da criação do mundo [...]” (Efésios 1, 3).
Isto quer dizer que Ele nos ama com um “amor eterno”. Antes de criar o primeiro átomo de hidrogênio, há bilhões de anos, Ele amou cada um de nós. Antes de sermos filhos de nossos pais, já éramos filhos amados de Deus.
A Igreja ensinou, no Concílio Vaticano II, que “o homem é a única criatura que Deus quis por si mesma” (GS 24). Tudo o mais foi feito para nós.
Você tem valor! Cada vida humana tem muito valor porque foi criada à “imagem e semelhança de Deus” (Gênesis 1, 26). A prova inequívoca disso é o fato de Deus se fazer homem na Pessoa de Jesus e entregar a Sua vida em resgate de cada um de nós. Depois disso, ninguém mais tem o direito de duvidar do seu valor e do amor de Deus por nós.
O universo é belo e ordenado; “Cosmos” quer dizer belo. Mas tudo isso “não sabe que existe”; não tem alma, não tem inteligência, não tem vontade e não tem consciência. O universo não pode reconhecer o seu Criador, mas você o pode. São Paulo diz que ele foi criado para “o louvor da glória de Deus” (cf. Efésios 1,6.12).
A importância do ser humano
Santo Irineu (†202) dizia que “o homem é a glória de Deus”. Por isso, cada criatura humana é mais importante do que todo o Cosmos. Cada um de nós vale mais do que os quintiliões de estrelas... Nós somos “a meta de toda a criação”, a voz e a alma do universo. É por intermédio da pessoa humana que a matéria bruta, a planta silenciosa e o animal selvagem dão glória ao Criador.
Um grito de júbilo explodiu no universo quando a vida se tornou consciente, inteligente, dotada de vontade e liberdade. Podemos dizer, como o poeta, que o Cosmos “chorou” de alegria quando viu você surgir das mãos de Deus. Depois de bilhões de anos de preparação, o Altíssimo nos formou para sermos reis do universo. Cada um de nós tem um lugar especial neste mundo, cada um tem uma missão a cumprir. Por isso não podemos nos arrastar como escravos. Cada homem, por mais sofrido que seja, sintetiza no seu ser todo o universo criado e dá glória ao Criador. Quando você foi gerado, de todos aqueles milhões de espermatozóides de seu pai, apenas um fecundou aquele óvulo bendito de sua mãe: daí nasceu você. Por isso, ninguém jamais será igual a você... porque o Criador trabalha com exclusividade. Não aceita repetir as Suas obras.
Entre os mais de seis bilhões de pessoas do Planeta, não há dois que tenham o mesmo código genético (DNA) ou as mesmas impressões digitais. Você é um indivíduo, isso quer dizer único, irrepetível, singular. Sua vida é única, não houve e não haverá outro igual a você na história deste mundo. Então, não podemos deixar de cumprir a missão que Deus nos confia nesta vida, pois isso é que a dignifica.
Em cada um de nós o Criador colocou Seus dons, Sua beleza, Seu amor, para sermos úteis aos outros neste mundo. São João Bosco dizia que “Deus nos colocou neste mundo para os outros”. E para viver isso, o Senhor chama cada um de nós a viver num estado de vida e numa atividade própria de acordo com nossas aptidões; é a nossa vocação.
O chamado de Deus à vocação
Vocação é chamado. E o primeiro chamado de Deus é para vivermos bem a nossa vida, desenvolvendo os talentos que Ele nos deu e os colocando a serviço dos outros. Para isso, é preciso viver de acordo com os valores do Todo-poderoso e não com os do mundo. Viver, sobretudo, o amor a todos; rejeitar o ódio, a inveja, a soberba, a omissão, o mau humor, o rancor, o ressentimento, a mágoa, entre outros. Por outro lado, saber sorrir para todos, desejar o bem a todos, fazer o bem a todos, ser bom como Deus é bom. Então a vida será valorizada.
A maioria é chamada a ser pai e mãe, esposo e esposa; então, vivam com intensidade esse sublime chamado de Deus. Viva intensamente para a família; ame o cônjuge “como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela” (cf. Efésios 5,25) e gaste seu tempo com os filhos.
Outros são chamados à vida religiosa, para se entregarem totalmente a Deus; é como que uma oblação da vida para servir radicalmente ao Reino dos Céus. São aqueles que Jesus elogiou por terem a coragem de “se fazer eunucos por amor ao Reino” (Mateus 19,12).
Há também aqueles que não se casam, mas podem se dedicar a uma atividade nobre; solteiro ou casado, só o egoísta desperdiça a sua vida. Se o amor conduz à existência, a vida será grande.
Por isso, viva intensamente o presente, jamais aceite desvalorizar a sua vida ou se deixar sufocar pela baixa estima de si mesmo, pois você é um filho amado de Deus. O universo nos pertence, a vida nos foi dada, o céu é nossa herança. Aceite os seus limites, todos os temos, pois eles nos fazem humildes e pacientes. Se você não puder construir um belo palácio, construa uma acolhedora choupana. E viva sem medo, porque o Senhor ressuscitado caminha com você.